O universo na palma da mão

quinta-feira, 23 de abril de 2015



Peter não queria que seu amigo soubesse que ele estava com medo de andar no escuro, então caminhou na frente. Já havia aprendido que garotos mais velhos não tinham medo (até dormiam com a luz apagada). E ele não era mais uma criança.

A colina era uma subida breve, mas à noite parecia uma tarefa hercúlea. Seus pequenos pulmões queimavam com o esforço de tentar sobrepor a velocidade das longas passadas de Simon, com cinco anos de vantagem nos músculos. Peter quase tinha que correr. Podia ouvir a respiração do amigo logo atrás de si, exalando excitação a cada metro percorrido.

Algo fez barulho na mata, arrancando um abafado grito de susto de Peter, seguido de uma risada de Simon. Aquilo o deixou extremamente irritado.

― Tem certeza que não quer voltar Pete? ― Disse o amigo em tom de deboche.

― Não! ―Respondeu o pequeno, sisudo. ― Foi só um pássaro.

Simon riu mais uma vez.

― Eu sei que a subida é chata, mas você vai ver. Vai valer a pena.

E ele estava certo.

Iguais

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015


De comparar aos homens cansei-me do ofício.

E com duas coisas conformo-me enfim:

Que o ventre dá a todos um início;

Que a terra dá a todos um fim.

Olhos Abertos



Cold Creek Hospital era uma infinidade de corredores e portas. Cada uma exibia um número por fora e por dentro escondia uma estória, vivida e sofrida por aqueles que habitavam os quartos por elas guardados.

Meu caminhar produzia sons simétricos contra o chão estéril, como o bater de um pesado relógio de pêndulo, acompanhado apenas pela luz insegura da minha lanterna, atravessando o vitral de cada porta. Nada além do meu próprio ruído.

 Eu contava os passos.

Cento e vinte. Dois corredores. Vinte e quatro portas. Todos dormindo. Nenhuma irregularidade. Minha marcha continuou em direção à ala três. Quinze passos. Cinco quartos tranquilos.

Tudo em ordem. Esquerda. Um. Dois...

 Meu terceiro passo hesitou. Um som lamurioso pareceu denunciar que, no quarto número seis, talvez alguém estivesse chorando no escuro. Aguardei por mais alguns segundos na expectativa de ouvir novamente o lamento. Um leve soluçar engasgado confirmou minha suspeita.

Esquadrinhei minha ficha à procura do nome do paciente. Com movimentos leves empurrei a porta e entrei no pequeno cômodo.

Céu

sábado, 3 de janeiro de 2015


É o mesmo céu, porém um novo céu. 
As estrelas brilham mais, acho eu.

Talvez sejam os meus olhos, 
acostumados com a escuridão, 
visto que há muito não brilham ao ver-te.

Antes brilhavam de tal maneira que 
inundavam o dia e a noite e ofuscavam as estrelas.

Percebo, assim, que odeio as estrelas
 e preferia mil vezes não vê-las brilhar 
e estar olhando pra você. 

Velho


O velho homem passeia seu velho cão, em meio a uma velha cidade onde vive um velho povo.

Seus velhos olhos vêem a velha torre onde corre o velho relógio, que a cada batida envelhece o tempo, anunciando que ficamos mais velhos a cada novo momento.

Seus velhos pés caminham por velhas ruas, onde as velhas pedras contam velhas histórias de distantes velhas eras.

Suas velhas memórias vagam por velhos tempos, onde o velho era jovem e o jovem apenas sonhava em como seria a vida no dia em que fosse velho.